segunda-feira, 24 de março de 2008

Afago


Após uma surpreendente resposta inteligente da “bonita quietinha” que faz uma cadeira com nós no curso, minha colega solta uma perola:
-Eu acho uma tremenda injustiça mulher bonita ser inteligente!!!
-Como assim Cat? Que preconceito bobo menina! Se for por isso eu acho você uma gracinha de meu Deus!(chamei de burra).
-aé? Se for por isso eu acho você a mulher mais inteligente que eu já vi... E há provas! A professora de redação te ama!(me chamou de feia).
-Não adianta Cat! Nada que você possa me dizer, irá ser tão cruel quanto algumas coisas que eu digo para mim mesma todo santo dia.

Saio da sala para resolver algumas coisas no primeiro andar. Depois disso... só alegria! A Cat me atormentou dias para que eu explicasse a minha frase, entupiu os meus tímpanos com um: “Me explica direito o que você quis dizer aquele dia! Dizdizdizdizdizdiz!!!”
Daí esses dias, estava descendo a escadaria com ela e o seu “dizdizdizdizdizdiz” ao fundo. Gente... Não agüentei mais. Surtei! Parei e olhei bem sério para Cat e seu cabelinho de miojo:

-Quer saber? Então tááááá legal!... Eu sempre fui uma criança SOZINHA! Nunca tive amigos na minha infância, vivia na biblioteca, não falava com ninguém e quando falava eu me arrependia de ter nascido! Eu cresci repetindo para mim mesma “eu definitivamente não valho para coisa alguma!!!” Quando eu tinha oito anos meu pai teve uma crise de estress e me usou como bode expiatório! Eu ainda lembro cada palavra das barbaridades que ele me disse! Depois disso eu fiquei SEIS meses sem conseguir falar!!! Ele foi a pessoa mais cruel que eu já vi na minha vida, o MEU PAI destruiu todos os meus sonhos com palavras! Às vezes quando eu choro, eu fico me perguntando por que ele simplesmente não deu um tiro em mim! Não... ele fez pior, ele acabou com a minha vida quando eu tinha OITO ANOS!

(eu me acalmo um segundo antes de continuar).

... Durante estes seis meses eu simplesmente me esqueci que eu precisava de alguém, esqueci o que era ser normal, criei o meu mundo, onde só eu podia entrar e jamais sair. Por causa disso, eu tenho GRAVES problemas de alto-estima. Tentei me matar com quinze anos, algo desesperado... (eu olho para minhas mãos) eu estava desesperada, tomei antidepressivo, misturei com álcool e passei uns dias dormindo. Eu só queria poder deixar de existir. Só isso.

(volto a olhar para a Cat).

...Com dezessete eu tive ataques de pânico. Era horrível. Pensei que ia ficar louca, quase não agüentei a barra... eu pirei nesta época. Geralmente nos ataques as pessoas acham que algo terrível vai lhes acontecer, que vai enfartar ou coisa do tipo... Mas eu fui a única que conseguia achar que os amigos iriam morrer. Eu surtava de medo de perder os únicos amigos que eu tinha na vida, a única família que eu tinha de verdade. Eu quase morri de verdade... Eu juro, quase fui nesta época.

(respiro novamente)

... Agora, quando o ex disse que eu era um problema, que eu dificultava as coisas... eu nem me surpreendi, já estava acostumada a falar este tipo de coisas para mim mesma. Mas quando ele deixou a nossa felicidade para trás para remoer magoas de outra, não pestanejei em lhe largar. Não consigo me apegar muita às pessoas. Sempre me mantenho em uma distância razoável para que elas não me conheçam o suficiente, para que elas não precisem se afastar depois de ver tantos defeitos. Sabe... é por isso que sou tão ácida algumas vezes, para delinear as coisas, para que os outros não se apeguem a mim tanto como poderiam um dia.
...em suma tenho problemas que não pretendo dividir com ninguém. tu capisci?

Cat me olha branca igual papel... algo passa pela sua cabeça. Depois de cinco segundos de silencio ela se joga encima de uma Toop perdida no tempo, e me abraça com uma força titã. Eu berro:
-Me larga Cat!!! Me solta criatura! Vamos nos espatifar no chão daqui a pouco! Estou ficando sem ar!
-Não me importa!
-MEOOOOO me solta! Estou MANDANDO! Sai de cima de mim!
Começo a empurrar e a criatura não desgruda, balanço e nada! Tento escorregar pelos braços e nécas de pitibiriba! Fico cansada e paro de me mexer.
Ela fala com uma voz doce, meiga e tranqüilizadora (coisa que ela nunca foi):
-xiuuuu... Pronto... Passou. Viu como as coisas podem ser fáceis algumas vezes? Olha, eu estou aqui. Vou estar durante o tempo que você precisar. Viu? Estou aqui menina... uma coisa de cada vez.

Ela me solta e me olha no fundo dos olhos:
-Agora vamos... vou te comprar um pirulito enorme para adoçar um pouquinho a sua noite.

...
Termino a noite sentada no chão, degustando um pirulitão enorme de chocolate!
Cat está no banco eu estou com as costas nas pernas dela e a cabeça no seu colo:

-Será que chove Cat?
-Xiu! Quieta que se não essa trança vai ficar torta!
-Mas Cat!!!! Meu cabelo tem um palmo! Como que você vai fazer trança!
-Xiu!!! Vai ficar quieta ou vou ter que te agarrar outra vez?
-Aiiiiiiiiiiiiiiii

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com a Cat.
Tudo é simples e fácil.
Nós é que distorcemos até emaranhar e complicar.
a vida pode ser doce...sabe aquela histórias dos limões? Faça uma limonada...
aff, e eu nem tenho muita moral pra dizer isso, mas enfim... vale pra mim também.
beijos

Giovanna Bauer disse...

Nuu, que texto sensacional!